Faleceu Luis Sepúlveda, um homem que louvava o facto do ser humano ser capaz de criar beleza. Ele foi esse criador e deixou-nos essa beleza na sua vasta obra.
Ao longo da minha vida, reli as suas histórias inúmeras vezes, sem me cansar; inspiraram-me com uma simplicidade profunda e bela.
A sua obra leva-nos a refletir e dá-nos vontade de melhorar, faz-nos sonhar com um planeta puro e com um mundo onde sobressaem valores maiores, como o amor, a solidariedade, a amizade, o respeito pela diferença, a coragem, a determinação e a confiança. Ficamos com a sensação de que nada é impossível.
Deixo aqui, em jeito de homenagem a este homem, um dos escritores por quem sinto uma grande admiração, este desenlace maravilhoso de um dos seus livros… uma cena inesquecível: um gato e uma gaivota unidos para sempre na noite chuvosa de Hamburgo.
Que voes também tu, Luis Sepúlveda, numa serenidade eterna, como uma ave que abriu as suas asas! Obrigada.
“Viram-na então, batendo as asas, sobrevoando o parque de estacionamento, e depois seguiram-lhe o voo até às alturas, até mais para além do cata-vento de ouro que coroava a singular beleza de São Miguel.
Ditosa voava solitária na noite de Hamburgo. Afastava-se batendo as asas energicamente até se elevar sobre as gruas do porto, sobre os mastros dos barcos, e depois regressava planando, rodando uma e outra vez em tomo do campanário da igreja.
- Estou a voar! Zorbas! Sei voar! - grasnava ela, eufórica, lá da vastidão do céu cinzento.
O humano acariciou o lombo do gato.
- Bem, gato, conseguimos - disse ele suspirando.
- Sim, à beira do vazio compreendeu o mais importante - miou Zorbas.
- Ah, sim? E o que é que ela compreendeu? - perguntou o humano.
- Que só voa quem se atreve a fazê-lo - miou Zorbas.
- Suponho que agora te estorva a minha companhia. Espero-te lá em baixo -despediu-se o humano.
Zorbas permaneceu ali a contemplá-la, até que não soube se foram as gotas de chuva ou as lágrimas que Ihe embaciaram os olhos amarelos de gato grande, preto e gordo, de gato bom, de gato nobre, de gato de porto. “